quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Fractal de emoções

Lucy recorria à escrita todas as vezes em que as palavras faladas ficavam travadas em sua garganta. Desta vez não sabia dizer direito o que sentia, talvez fosse uma mistura de raiva, decepção e ciúme. Talvez fosse apenas pirraça por ter sido preterida. Racionalmente ela reconhecia que não podia ficar com raiva, as pessoas civilizadas agem da maneira como ele havia agido, mas para ela, este tipo de comportamento não era apropriada ao momento que viviam juntos. Tinha certeza de que não aconteceria nada demais. Tinha certeza de que ele precisava deste momento. Mas tinha medo de que ele se acostumasse a viver esses instantes. Tinha medo de que ele não a quisesse em seu mundo particular, quando ela o incluía em todas as esferas de sua vida. Reconhecia que flutuavam por espaços diferentes, conviviam nestes espaços com pessoas diferentes. Aquilo tudo era muito novo até mesmo para ele, como incluí-la sem parecer dependente e mal interpretado pelos demais? Precisava compreender tudo aquilo, mas Lucy, mesmo sabendo disso tudo sentia-se angustiada. Achava estranho que as pessoas de repente começassem a andar sozinhas.. como o bebê que de uma hora pra outra anda sem precisar de mãos dadas..

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Doía mais um pouco a cada dia

Entendeu que não havia mais lugar pra ela em qualquer canto daquele mundo conhecido.

Lucy estava com a cabeça rodando há semanas, mal tinha tido tempo de digerir os últimos acontecimentos, mas a Terra não parava de girar e mais coisas acontecerem.
Seu corpo explodia em vermelhos e cor-de-rosa, numa mistura de tons que doíam. Algumas coisas tinham se quebrado, outras ainda podiam ser coladas no futuro, quem sabe? Mas o pior de tudo é que não havia mais lugar pra ela naquele mundo. Tornara-se a vilã, a tecelã de todas as maldades a que o mundo estivera submetido nos últimos 30 anos. Não havia redenção. Não havia fuga. Não havia perdão. Não havia compreensão.

Uma pessoa pode ser julgada e condenada por querer levar sua própria vida da maneira que julga mais correta? Uma pessoa não pode estar sujeita a erros e mudar de idéia no final? O julgamento da tribo tem que ser o definitivo em relação a todos os temas? A vida tem que ser feita de separações?

Naquela madrugada algumas coisas se perderam entre galáxias inalcansáveis. Ficaram para sempre perdidas.

Doía todas as dores de um mundo que de uma hora para outra tornara-se injusto. Doía todas as dores de um coração que se vê abandonado e incapaz de agradar a quem quer que seja. Doía todas as dores da solidão.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Na corda-bamba-das-decepções

Até que ponto alguém tem o direito de invadir a vida de outra pessoa?
Não falo dessa curiosidade pop que gera perseguições ao cotidiano dos famosos e rende revistas nas bancas, mas de uma curiosidade ancorada na insegurança e descompasso dos anônimos.

Mães que roubam diários de suas filhas, pais que vasculham as bolsas dessas mesmas filhas, chefes que xeretam nos computadores de seus empregados e namorados/noivos/maridos que espreitam uma traição a cada sms, email, telefonema recebido por suas mulheres.

Até que ponto nossa insegurança pode sustentar atos infiéis?

Até que ponto o medo de perder a autoridade pode subsidiar ações inescrupulosas?

Não seria mais fácil apenas confiar?

Não seria mais delicado apenas perguntar?

Não seria mais honrado apenas deixar a vida acontecer e fazer o possível a cada dia para que ela de fato fosse/seja cheia de realizações?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ainda se perguntava...

Ela ainda se perguntava por que tudo enguiçava todas as vezes em que vinha caminhando bem... era uma espécie de lei do universo? Por que só se envolvia com homens que estavam às voltas com tantos problemas? Ela mesma seria uma espécie de imã para esse tipo de situação?

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Decepções de cotidiano

Ainda não tinha digerido muito bem aquela decepção profissional. Tinha articulado cem mil planos em sua mente, todas as mudanças que faria caso tivesse conseguido a "promoção", mas tal como acontece nos filmes, não aconteceu. Se preparou a semana inteira, praticamente contava como certo o desfecho de toda aquela história, embora lá no fundinho uma voz lhe dissesse: "Cuidado Lucy! Não faça tantos planos assim!!!"
A voz que falava baixo era a certa, de repente aquela verdade ficou doída demais, explodindo numa enxaqueca terrível, responsável pelo seu péssimo humor naquele dia.
Olhava no relógio a cada dez minutos. "Ainda faltam cinco horas"... Tudo o que queria era ir pra casa, fechar-se em seu quarto, esconder-se em sua cama, em seu reino feito de edredons e travesseiros. Ainda não conseguia falar sobre o assunto. Mal conseguia passar em frente ao prédio em que tudo acontecera. Alguns sonhos mal chegam a ser verbalizados...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O fio mambembe das relações

Lucy sentia-se razoavelmente feliz. Razoavelmente feliz desde que ignorasse a insegurança que sentia por dividir seus dias com um quase completo desconhecido. Decidira caminhar ao seu lado, fazia até algum tempo, mas dados os últimos acontecimentos vividos, sabia que não podia confiar plenamente.

Sua maior dúvida, seu maior medo, trouxeram à tona o dilema: Não confio, mas penso que amo. Me defendo ou continuo amando?

Medrosa que era (ou talvez no fundo fosse até bem mais corajosa que imaginava) continuou fechando os olhos para os seus deslizes, caminhava ao seu lado, mas tomava cuidado para ir conhecendo o caminho. Se acaso ficasse desamparada, sozinha mais uma vez, ao menos saberia por onde voltar. Não perdia o caminho de vista, sempre caminhava olhando para o chão.

Gostava de sua companhia, chegava a desenhar alguns planos, até mesmo se enxergava num futuro próxima dividindo mais coisas com ele, mas não, não era o suficiente para que ela esquecesse o que houve e se sentisse segura.

Ruim andar na corda bamba, balançar a cabeça pra afastar um pensamento mau (mas verdadeiro, acusador) e ter que continuar se equilibrando no fio mambembe das relações. Por escolha, sim, mas porque no fundo sua esperança era maior que o medo.

Ela tinha que ser maior que o medo.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Contra todas as probabilidades

Quando as coisas não iam bem, bastava-lhe caminhar com os olhos no chão.
Valia mastigar chicletes, tomar quatro litros de água, dormir sob os efeitos de comprimidos.
Também sentia que era um alívio orar a Deus para que aquilo tudo passasse rápido e a dor fosse embora.
Talvez fosse a única coisa que funcionasse.
Naquelas horas em que era apenas sozinha.
Contra todas as probabilidades de ser feliz.
Todas as vezes em que se decepcionava era assim.
Mas dessa vez sentia dor no peito.
Muita dor.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Silêncio

Lucy pensava que o pior que podia lhe acontecer era o silêncio. O seu silêncio e o silêncio daqueles a quem amava. O silêncio como castigo, como ignorância, como obrigação. O silêncio era um pecado para o qual não havia penitência, não em sua casa. O silêncio era, muitas vezes, um mal a que se via exposta.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Passos

Lucy andava sem prestar muita atenção em quem estava a sua volta, preocupava-se apenas com o futuro que a cada dia parecia mais distante de si. Quando se referia a "futuro" pensava em sua vida com ele, nos planos que fazian juntos, nas imagens que ela conseguia perceber na possível vida a dois. Ultimamente tinha medo de sonhar, pois seus planos eram inexoravelmente adiados. E porque às vezes ela não tinha certeza se aquele "futuro" era algo que ele realmente quisesse e para o qual ele estivesse pronto.
Ela sim, sonhara tantas vezes aquele sonho! Vez ou outra pensara se nesse sonho caberiam alguns alguns rostos, mas não... não era deles aquela história. Mas esse, esse ela tinha certeza, era o rosto que ela conseguia visualizar quando andava cabisbaixa olhando as folhas no chão e imaginando os dias que ainda estavam por vir... era o rosto que ela enxergava no redemoinho de folhas feito pelo vento... era o rosto que ela de fato amava e queria ter desenhado em seus planos de próximos outonos.
A insegurança fazia com que em determinados dias ela recuasse. E se estivesse errada e tudo aquilo não passasse de mais uma armadilha para que ela sofresse mais uma perda e vivesse de novo a solidão?
Tinha dias em que ela gostaria de se esconder de seus próprios pensamentos. O corpo, a alma não saberiam o que é sobrevivência? Sentia que estava chegando aos limites de sua entrega. Se avançasse mais dois passos não conseguiria mais voltar atrás e o sofrimento poderia ser inevitável.
Eles valiam o risco. E lentamente ela deu os dois assustados passos!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Lucy in the sky of vanila

Lucy estava andando por aí, com a cabeça nas nuvens, como sempre. Todas as vezes acontece assim. Só mesmo o ar do outono para colocar suas idéias no lugar. Sua estação preferida, pois é quando o céu assume contornos de lilás e laranjado, tornando o final da tarde o instante mais lindo do dia. Dá gosto ver um céu destes, um céu de baunilha.
Interessante mesmo é pensar nas coisas do dia, da semana, do mês, da vida... à luz de um pôr-do-sol lilás e laranjado, faz com que qualquer amargura tenha menos fel. Tudo se torna mais doce. Talvez por isso gostasse tanto do outono e se sentisse tão bem em caminhar pelas ruas já geladas, com um vento leve que faz correr as folhas pelos riscos das calçadas.
Lucy está um pouco cansada, sente-se sobrecarregada de atividades. Para todos os lados em que se vira alguma mão lhe é estendida, um novo pedido. E Lucy aceita a todos, não consegue dizer não, ser negativa, desleixada com os outros. E é por isso mesmo que a cada dia ela tem menos tempo para si mesma e para as coisas de que gosta realmente de fazer, como passear pelas ruas geladas num outono colorido, por exemplo.
Hoje atendeu a esta necessidade, pois a mesma gritava dentro de sua garganta, provocando um nó na altura do pomo de adão que não possuía, mas a altura era esta mesma. Não era algo muito frequente ela atender aos apelos de seu corpo, mente, coração. Acabava deixando-se de lado para atender às tais mãozinhas suplicantes, que eram tantas...
A disponibilidade para os outros era um luxo de que ela mesma não podia desfrutar. Não se dava esse direito. E por que? Talvez sentisse que devesse pagar um preço pelas vidas dos outros, talvez sentisse que fosse culpada pela perda de alguém que lhe fosse muito caro um dia e a quem ela tivesse lesado, talvez, talvez, talvez... o fato é que nem ela mesma conseguia discernir o motivo originário de tamanha entrega. Não queria se tornar uma heroína ou mesmo ser bem vista pelos outros, apenas era assim. Simplesmente não conseguia dizer não.
Caminhando ali por aquelas ruelas, refletia sobre isso mesmo de que falamos. Ultimamente questionava-se se estivera certa por todos aqueles sim que houvera dado a tantas pessoas que sequer tinham merecido sua atenção, quanto mais sua entrega. Mas isso não era, ainda, suficiente para mudar seus hábitos de uma vida inteira. E pensar que alguns de seus parentes recordavam-se dela ainda bebê, de dois anos, egoísta e manipuladora. Em qual lugar de sua primeira infância havia ficado seu desejo de individualidade, posse? Também não sabia definir em que momento exatamente tornara-se essa a quem tudo dá, coopera, esquece de si mesma.
Em alguns momentos de reflexão e outros de elogios, chegava a pensar que de fato era uma moça muito honrada e boa, mas não conseguia entender onde isso a levaria, pois, na verdade, andava por todos os lados mas não chegava a lugar algum.
Aqueles que com ela convivem diariamente podem se inflar e dizer: "Lucy, você é uma garota maravilhosa e conquistou tanto em sua vida! Poucos têm a sorte de ser como tu, ter aquilo que tens"! Mas os mais observadores notam que, de fato, Lucy é uma pessoa muito sozinha e caminha, caminha, caminha, conquista coisas, mas nada daquilo que ela relamente gostaria de ter: pertencimento.
Dava-se a todos, mas não sentia-se pertencendo a ninguém, também não reconhecia-se "dona" de ninguém. Quando Lucy pensava em ser "dona" de alguém, não era com o desejo de manipulação, mas de pertencimento. Do outro e dela. Duas pessoas ligadas através da sensação desconhecida do pertencimento...
Devia ser bom pertencer a alguém em pleno outono, quando o céu fica mais lindo e é bem mais fácil de pensar em como a vida pode ser boa, numa entrega que também lhe valha a pena.
Esta é Lucy, acostumem-se com ela. Por enquanto é só.