quarta-feira, 7 de abril de 2010

Lucy in the sky of vanila

Lucy estava andando por aí, com a cabeça nas nuvens, como sempre. Todas as vezes acontece assim. Só mesmo o ar do outono para colocar suas idéias no lugar. Sua estação preferida, pois é quando o céu assume contornos de lilás e laranjado, tornando o final da tarde o instante mais lindo do dia. Dá gosto ver um céu destes, um céu de baunilha.
Interessante mesmo é pensar nas coisas do dia, da semana, do mês, da vida... à luz de um pôr-do-sol lilás e laranjado, faz com que qualquer amargura tenha menos fel. Tudo se torna mais doce. Talvez por isso gostasse tanto do outono e se sentisse tão bem em caminhar pelas ruas já geladas, com um vento leve que faz correr as folhas pelos riscos das calçadas.
Lucy está um pouco cansada, sente-se sobrecarregada de atividades. Para todos os lados em que se vira alguma mão lhe é estendida, um novo pedido. E Lucy aceita a todos, não consegue dizer não, ser negativa, desleixada com os outros. E é por isso mesmo que a cada dia ela tem menos tempo para si mesma e para as coisas de que gosta realmente de fazer, como passear pelas ruas geladas num outono colorido, por exemplo.
Hoje atendeu a esta necessidade, pois a mesma gritava dentro de sua garganta, provocando um nó na altura do pomo de adão que não possuía, mas a altura era esta mesma. Não era algo muito frequente ela atender aos apelos de seu corpo, mente, coração. Acabava deixando-se de lado para atender às tais mãozinhas suplicantes, que eram tantas...
A disponibilidade para os outros era um luxo de que ela mesma não podia desfrutar. Não se dava esse direito. E por que? Talvez sentisse que devesse pagar um preço pelas vidas dos outros, talvez sentisse que fosse culpada pela perda de alguém que lhe fosse muito caro um dia e a quem ela tivesse lesado, talvez, talvez, talvez... o fato é que nem ela mesma conseguia discernir o motivo originário de tamanha entrega. Não queria se tornar uma heroína ou mesmo ser bem vista pelos outros, apenas era assim. Simplesmente não conseguia dizer não.
Caminhando ali por aquelas ruelas, refletia sobre isso mesmo de que falamos. Ultimamente questionava-se se estivera certa por todos aqueles sim que houvera dado a tantas pessoas que sequer tinham merecido sua atenção, quanto mais sua entrega. Mas isso não era, ainda, suficiente para mudar seus hábitos de uma vida inteira. E pensar que alguns de seus parentes recordavam-se dela ainda bebê, de dois anos, egoísta e manipuladora. Em qual lugar de sua primeira infância havia ficado seu desejo de individualidade, posse? Também não sabia definir em que momento exatamente tornara-se essa a quem tudo dá, coopera, esquece de si mesma.
Em alguns momentos de reflexão e outros de elogios, chegava a pensar que de fato era uma moça muito honrada e boa, mas não conseguia entender onde isso a levaria, pois, na verdade, andava por todos os lados mas não chegava a lugar algum.
Aqueles que com ela convivem diariamente podem se inflar e dizer: "Lucy, você é uma garota maravilhosa e conquistou tanto em sua vida! Poucos têm a sorte de ser como tu, ter aquilo que tens"! Mas os mais observadores notam que, de fato, Lucy é uma pessoa muito sozinha e caminha, caminha, caminha, conquista coisas, mas nada daquilo que ela relamente gostaria de ter: pertencimento.
Dava-se a todos, mas não sentia-se pertencendo a ninguém, também não reconhecia-se "dona" de ninguém. Quando Lucy pensava em ser "dona" de alguém, não era com o desejo de manipulação, mas de pertencimento. Do outro e dela. Duas pessoas ligadas através da sensação desconhecida do pertencimento...
Devia ser bom pertencer a alguém em pleno outono, quando o céu fica mais lindo e é bem mais fácil de pensar em como a vida pode ser boa, numa entrega que também lhe valha a pena.
Esta é Lucy, acostumem-se com ela. Por enquanto é só.

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